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Qual é o profissional que deve realizar o nexo das doenças ocupacionais?



Caro leitor,

O questionamento trazido à baila pode parecer muito simples, todavia a realidade e a prática acumulada nem sempre demonstram caminhos corretos e adequados para o adequado estabelecimento da realização do nexo ocupacional dos trabalhadores.

Senão vejamos.


I – Designação de perito do juízo não médico para realização de perícia trabalhista; neste item, verificamos frequentemente a indicação de fisioterapeutas para avaliação do nexo em doenças do sistema osteomuscular ou mesmo psicólogos para avaliação do nexo em doenças mentais nas lides com foro nos TRT’s.


Como total contrassenso e afronta a lei do ato médico, ressaltamos que o único profissional de saúde capaz de realizar nexo laboral é o médico, conforme Lei federal nº 12.842/13), é “atividade privativa do médico na determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico” (art. 4º, X), “realização de perícia médica” (art. 4º, XII) e “atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas” (art. 4º, XIII).


Isto posto, é inegável que inúmeros processos nos quais as decisões judiciais se valeram de laudos periciais de não médicos tem, por natureza, maculada a sua instrução, escamoteada sob a égide do ato jurídico perfeito. Para melhor compreender esta situação, convido o leitor a revisitar o artigo escrito na Coluna do Puy, no blog saúde ocupacional ( <  https://www.saudeocupacional.org/2023/06/pericia-medica-judicial-realizada-por-nao-medicos-da-bestialidade-da-nomeacao-ao-falacioso-ato-juridico-perfeito.html> acessado em 17/06/2024).


II – Muitos colegas de profissão e professores de pós graduação entendem que compete ao Médico do Trabalho e/ou o perito do INSS ou expert judicial exclusivamente realizarem o nexo ocupacional, por vezes se amparando na Resolução CFM nº 2323/2022.


Cito o exemplo da Síndrome de Burnout (CID-10 Z56), entidade que tem conceitualmente  classificada como Schilling I (trabalho como causa necessária). Inúmeros médicos entendem que tal diagnóstico não seria possível ser feito por um Psiquiatra, considerando que o mesmo não conhece a realidade do trabalho do obreiro, conforme art. 2º, da supracitada Resolução:


O art. 2º da Resolução CFM nº 2323/2022 estabelece, in verbis:

“Art. 2º Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além da anamnese, do exame clínico (físico e mental), de relatórios e dos exames complementares, é dever do médico considerar:

I– A história clínica e ocupacional atual e pregressa, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;

II– O estudo do local de trabalho;

III– O estudo da organização do trabalho;

IV– Os dados epidemiológicos;

V– A literatura científica;

VI– A ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhadores expostos a riscos semelhantes;

VII– A identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;

VIII– O depoimento e a experiência dos trabalhadores;

IX– Os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde. (Grifo nosso)


Pois bem.


A primeira consideração que deve ser feita é que o dispositivo não obriga o profissional a visitar o posto de trabalho, mas sim CONSIDERAR todos os elementos necessários para aplicação do nexo. Para tanto, este Psiquiatra em tela pode se valer de análise documental da empresa (tal como um perito, previdenciário ou judicial, poderia assim o fazer!) e/ou discussão clínica com o Médico do Trabalho da empresa (devidamente autorizada pelo trabalhador) para estabelecer o liame adoecimento-trabalho.


A segunda consideração que também deve ser trazida à discussão é sobre um princípio não positivado pelo CFM (mas derivado de uma construção jurisprudencial e legal), por mim cunhado como PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE DO ATO MÉDICO NA MEDICINA (DE PUY, Rodrigo, 2024). Basicamente, significa dizer que o médico pode exercer a Medicina em sua plenitude, independente da especialidade registrada no CRM.

Fundamento legal:


Art. 17 da Lei nº 3268/57: Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade. ” (Grifo nosso)

Fundamento ético: há diversos Pareceres nos CRM’s que sustentam este Princípio da universalidade do ato médico na Medicina, citemos exemplos:


Parecer CRM-MG nº 01/2016: O médico devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina está apto ao exercício legal da medicina, em qualquer de seus ramos. ” (Grifo nosso)


Parecer CRM-PR nº 2043/2009: O médico, uma vez graduado e registrado no Conselho, está apto à prática médica sem restrições de ordem legal. ” (Grifo nosso)


Parecer CRM-BA nº 31/2009: O médico regularmente inscrito no Conselho Regional de Medicina está apto a exercer a medicina, na jurisdição respectiva, em qualquer de seus ramos, limitando sua atuação ao entendimento do mesmo de que possui capacidade de realizar os procedimentos médicos próprios, posto que responde o médico pelos atos praticados. ” (Grifo nosso)


Portanto, o estabelecimento de nexo causal em uma perícia, seja ela administrativa ou judicial, pode ser feito pelo médico assistente do paciente. E, em total respeito e coerência ao PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE DO ATO MÉDICO NA MEDICINA (DE PUY, Rodrigo, 2024), o Parágrafo único do art. 2º da Resolução CFM nº 2323/2022 ratifica este entendimento:

“Parágrafo único. Ao médico assistente é vedado determinar nexo causal entre doença e trabalho sem observar o contido neste artigo e seus incisos. ” (Grifo nosso)


Portanto, todo e qualquer médico, independente da especialidade, tem prerrogativa para estabelecer o nexo causal de doenças ocupacionais.


E apenas e tão somente o profissional médico tem competência legal para atestar um diagnóstico nosológico e afastar/comprovar a associação do adoecimento com o trabalho.


Um abraço a todos!


Fonte:

  1. https://www.saudeocupacional.org/2023/06/pericia-medica-judicial-realizada-por-nao-medicos-da-bestialidade-da-nomeacao-ao-falacioso-ato-juridico-perfeito.html  > acessado em 17/06/2024

  2. SOUZA, Rodrigo Tadeu De Puy e. Curso de Perícia Médica administrativa e judicial, 278 páginas. Editora Lujur, 2024. Link para adquirir a obra: https://www.lujur.com.br/livros/previdencia-social/curso-de-pericia-medica-administrativa-e-judicial-p


RODRIGO TADEU DE PUY E SOUZA

Médico especialista em Patologia e Medicina do Trabalho. Mestre em Patologia. MBA em Auditoria em Saúde. Advogado especialista em Direito Médico e Direito do Trabalho. Palestrante. Autor das obras: “Novo Código de Ética Médica: aspectos práticos e polêmicos”, editora CRV; “Documentos médicos comentados”, “Tratado de Direito Médico ético” e “Curso de Perícia Médica administrativa e judicial”, editora CRV.


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Redes social: Instagram: @drdepuyrodrigo

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