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O que a terceirização irá interferir no mercado de trabalho médico?

Atualizado: 12 de set. de 2018




Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou lícita a terceirização para atividades fim da empresa. A partir desta decisão, inúmeros médicos (principalmente plantonistas) me questionaram como será a partir de agora o mercado de trabalho.


Costumo responder que ainda é muito precoce para conjecturar todas as nuances de nossas (complexas) relações de trabalho. Mas já podemos tecer algumas considerações, especialmente para aqueles que trabalham como plantonistas.


Primeiramente, destacamos que terceirização não se confunde com trabalho de médico autônomo. Porque? O médico terceirizado tem relação de emprego com uma empresa prestadora de serviços. Ou seja, vale os requisitos do artigo 3º, caput, da CLT:

“Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

Já o médico autônomo é contratado para realizar um serviço específico e não mantém relação de trabalho com nenhum empregador, não sendo obrigado a seguir uma rotina de trabalho ou atender exclusivamente um empregador.


A questão do vínculo empregatício do médico plantonista é polêmica e tormentosa. Existem julgados a favor e contra o vínculo empregatício.


Sabemos que no setor público, o concurso público é a forma constitucionalmente prevista de acesso ao cargo ou emprego público. Essa regra possui exceção: para o atendimento de necessidades temporárias e de excepcional interesse público (ex. epidemias), além dos cargos em comissão definidos em Lei (ex. cargos de gestor público), situações nas quais são admitidos o contrato temporário de trabalho e a contratação de livre nomeação e exoneração, respectivamente (CF, art. 37, II e IX).


Ressalvadas estas duas hipóteses, os médicos que prestam serviços aos entes federativos deverão ser estatutários ou celetistas, isto é, gozarão dos benefícios constitucionais concedidos aos servidores públicos do ente federativo contratante, conforme estatuto próprio ou a própria CLT, conforme o caso.


Todavia, constantemente observamos o setor público contratando ONG’s (organizações não governamentais) por meio de contrato administrativos de prestação de serviços ou mesmo contratando diretamente médicos sem vínculo trabalhista. É o fenômeno da “pejotização”.


Atenção: terceirização não é a mesma coisa de pejotização!


Conforme já dissemos, o funcionário terceirizado tem seu contrato regido pela CLT e tem garantidos direitos como férias, 13º salário, pagamento de FGTS. A diferença entre terceirizados e o restante dos trabalhadores é que os primeiros são contratados por uma prestadora de serviços e alocados em uma companhia cliente dela. Podem ter benefícios como vale-alimentação e transporte diferentes dos funcionários da empresa para o qual são designados. A pejotização faz referência à pratica irregular de criar uma empresa prestadora de serviços para disfarçar uma relação de emprego, com o objetivo de não arcar com encargos trabalhistas. Nessa relação, o funcionário é subordinado a um chefe, tem horário de entrada e saída e exclusividade, mas fica sem seus direitos assegurados.


Por meio desta prática de “pejotização”, os hospitais colaboraram com a precarização da atividade médica, ao negar, a estas classes de profissionais, as garantias constitucionais, trabalhistas e previdenciárias concedidas a todos os trabalhadores assalariados, tais como férias, 13º salário, horas extras, adicional pelo trabalho noturno e insalubre, repouso semanal remunerado, FGTS, estabilidade à gestante, aviso prévio, multa de 40% sobre o FGTS em caso de dispensa arbitrária, licença-maternidade e paternidade, dentre outros. Tudo em prol daqueles que optaram por correr o risco de se estabelecer no mercado como empresários: os hospitais.


Trago abaixo dois julgados que abordam a ilegalidade da “pejotização”:


AÇÃO DECLARATÓRIA DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. MÉDICO PLANTONISTA. PRESSUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. Diante da delimitação do Eg. Tribunal Regional, soberano na análise da prova, no sentido de que estão presentes todos os pressupostos da relação de emprego, pois configurada a subordinação jurídica do autor em relação às reclamadas, que detinham o poder de organizar a prestação de serviços e os valores a serem recebidos pelas consultas realizadas, além da pessoalidade, na medida em que, as eventuais substituições dos médicos plantonistas ocorriam entre os profissionais do mesmo quadro de pessoal, caracterizando apenas troca de horários de plantões entre colegas de trabalho, não há como se concluir pela ausência de vínculo empregatício. (TST – RR: 38920125150066, Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 08/10/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/10/2014)


VÍNCULO DE EMPREGO. PEJOTIZAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. […] CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. FRAUDE. […] se verificou nos autos a hipótese da figura conhecida como pejotização, fenômeno em que, na realidade, existe a contratação de serviços pessoais, exercidos por pessoa natural, mediante subordinação, de forma não eventual e onerosa, realizada por meio de pessoa jurídica constituída especialmente para esse fim, na tentativa de mascarar a efetiva relação de emprego, com o intuito de burlar os direitos trabalhistas. […] A constituição de empresa pelo autor ocorreu com a única intenção de ocultar a relação empregatícia havida e que, ao contrário do que alega a recorrente, foi comprovado o preenchimento dos “requisitos dos artigos2º e 3º da CLT”, anulando-se, por conseguinte, o contrato civil de prestação de serviços, ante o exposto no artigo 9ºda CLT. (TST – RR: 6141220115090012, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 06/05/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/05/2015)


Mas haverá mais “pejotização”?


Há ainda controvérsia. A decisão do STF abre possibilidade de interpretações. Se a terceirização é irrestrita, a empresa prestadora de serviço pode não só ser uma microempresa e até um MEI (Microempreendedor individual). Ressaltando que, no caso de médicos, não podem ser MEI pela própria previsão legal.


E por que os hospitais ou clínicas defenderiam a terceirização?


Estas empresas podem contratar profissionais com alta especialização para prestação de serviços a um custo menor do que gastariam caso fossem recrutar e treinar esses funcionários internamente. Se, por exemplo, a instituição tem benefícios próprios vinculados para seus médicos (participação nos lucros, dias de abono por ano, auxílios de toda sorte como creche, alimentação e livro), estes poderão não ser ofertados aos terceirizados. Treinamentos em saúde e segurança no trabalho (por exemplo) poderiam não ser realizados com os terceirizados na instituição contratante.


Além disso, a terceirização permite a empresa adequar facilmente o número de profissionais em suas unidades, conforme sua necessidade.


Este fato é importante, pois sabemos que muitos serviços são de caráter sazonal ou mesmo tem seu dimensionamento prejudicado em surtos epidêmicos e nas campanhas/mutirões/feriados. Será mais fácil aos gestores de saúde dimensionar a equipe conforme suas necessidades temporárias. Assim, um plantão poderá contar com mais (ou menos) profissionais, de acordo com a sua demanda. Ao invés de se ter uma escala fixa de profissionais, o gestor poderá contingenciar suas despesas com pessoal de acordo com a NECESSIDADE REAL E MOMENTÂNEA do serviço.


Finalmente aqui um ponto importante. Sabemos que a prestação de serviços médicos é pautada na confiança estabelecida na relação médico-paciente. Ou seja: há uma relação personalíssima na atuação profissional médica (princípio fundamental XX do Código de Ética Médica). Mas nos serviços de pronto atendimento esta relação é mitigada. Portanto, amolda-se perfeitamente na lógica da terceirização.


Vamos ver como serão os próximos capítulos. Um grande abraço a todos!

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