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  • Foto do escritorRenata Lessa

COVID-19: Empresa pode bonificar funcionário que declara o estado vacinal ao RH?



Esta semana me deparei com esta pergunta em um grupo profissional de WhatsApp. Questionamento muito atual e que certamente inúmeras empresas se questionam acerca de sua legalidade.

Meditando um pouco sobre o assunto, cabe uma reflexão jurídica ampla com interfaces no ordenamento constitucional, trabalhista e ético-profissional médico.

Inicialmente, proponho a compreensão acerca da informação constante na carteira de vacinas (em especial da COVID-19) de uma pessoa.

Ao analisar a LGPD (lei geral de proteção de dados), a lei 13709/18 considera como dado pessoal a “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável”. Ou seja, tudo que puder ajudar a identificar uma pessoa pode ser considerado dado pessoal.

O dado pessoal sensível é a informação particular e íntima do titular. Exemplificativamente, informações relativas à etnia, opinião política, convicção religiosa ou filosófica, filiação sindical, questões genéticas, biométricas e sobre saúde ou vida sexual. Essas informações são tidas como mais delicadas e, por isso, o controlador só deve solicitá-las para finalidades bastante específicas.

Ressaltamos que os dados sensíveis podem ser coletados sem o consentimento do titular ou de seu responsável, em determinadas circunstâncias. Neste sentido, quando for necessário para o cumprimento da legislação, por solicitação da administração pública, utilização em pesquisas, para regular direitos ou ainda para a tutela da vida e da saúde.

Em que pese tal compreensão, a informação presente na carteira de vacinas de uma pessoa poderia ser enquadrada como dado pessoal sensível.

Bom…O segundo passo deste debate é compreender se a empresa poderá coletar estes dados, independente do consentimento do titular.

No ambiente laboral, a legislação prevê responsabilidades mútuas entre os atores sociais, empregador, empregado e agentes de fiscalização. A Norma Regulamentadora nº 01 (NR-1), em seu item 1.4 regulamenta:

“1.4 Direitos e deveres 1.4.1 Cabe ao empregador: a) cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho; b) informar aos trabalhadores: I. os riscos ocupacionais existentes nos locais de trabalho; II. as medidas de prevenção adotadas pela empresa para eliminar ou reduzir tais riscos; c) elaborar ordens de serviço sobre segurança e saúde no trabalho, dando ciência aos trabalhadores; f) disponibilizar à Inspeção do Trabalho todas as informações relativas à segurança e saúde no trabalho; e g) implementar medidas de prevenção, ouvidos os trabalhadores, de acordo com a seguinte ordem de prioridade: I. eliminação dos fatores de risco; II. minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas de proteção coletiva; III. minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas administrativas ou de organização do trabalho; e IV. adoção de medidas de proteção individual. 1.4.2 Cabe ao trabalhador: a) cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho, inclusive as ordens de serviço expedidas pelo empregador; 1.4.2.1 Constitui ato faltoso a recusa injustificada do empregado ao cumprimento do disposto nas alíneas do subitem anterior.”

O dispositivo supracitado remete à Norma Regulamentadora nº 32 (NR-32), no que se referem às vacinas. Abaixo extraímos da NR-32 os principais dispositivos que envolvem vacinação dos trabalhadores.

“32.2.4.17 Da Vacinação dos Trabalhadores 32.2.4.17.1 A todo trabalhador dos serviços de saúde deve ser fornecido, gratuitamente, programa de imunização ativa contra tétano, difteria, hepatite B e os estabelecidos no PCMSO. 32.2.4.17.2 Sempre que houver vacinas eficazes contra outros agentes biológicos a que os trabalhadores estão, ou poderão estar, expostos, o empregador deve fornecê-las gratuitamente. 32.2.4.17.4 A vacinação deve obedecer às recomendações do Ministério da Saúde. 32.2.4.17.5 O empregador deve assegurar que os trabalhadores sejam informados das vantagens e dos efeitos colaterais, assim como dos riscos a que estarão expostos por falta ou recusa de vacinação, devendo, nestes casos, guardar documento comprobatório e mantê-lo disponível à inspeção do trabalho. 32.2.4.17.6 A vacinação deve ser registrada no prontuário clínico individual do trabalhador, previsto na NR-07. 32.2.4.17.7 Deve ser fornecido ao trabalhador comprovante das vacinas recebidas.”

Ao avaliar o articulado NR nº 01 e NR nº 32, entendemos que a vacinação de trabalhadores deve estar assegurada pelo empregador e disponibilizada ao empregado, seguindo às recomendações do Ministério da Saúde e àquelas estabelecidas tecnicamente pela saúde ocupacional e constante no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) da empresa.

Adicionalmente, trabalho de orientação e de conscientização para a vacinação dos trabalhadores deve ser realizado pela empresa, considerando as vantagens e dos efeitos colaterais. O estado vacinal deve ser consignado em prontuário, seja a recusa vacinal (32.2.4.17.5), seja a comprovação da vacina (32.2.4.17.6).

Neste sentido, este dado pessoal sensível deve ser coletado do trabalhador para atender obrigação legal, independente do seu consentimento. Estas informações devem estar consignadas em prontuário médico (conforme mencionamos alhures) e no comprovante do trabalhador, vale dizer, o cartão vacinal (32.2.4.17.7).

Neste sentido, tal informação está revestida pelo sigilo médico.

Do ponto de vista ético, o Médico do Trabalho deverá ser o fiel detentor destas informações, podendo elaborar plano de ação para sensibilização quanto à vacinação, alocar empregados não imunizados em outros setores que não o exponham à risco ocupacional, mas não deverá revelar as informações individuais do estado vacinal dos empregados, via de regra. O Código de Ética Médica (CEM) (Resolução CFM nº 2217/2018) ratifica este entendimento em dois (02) dispositivos deste normativo:

1º: Princípio fundamental XI – “O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei. 2º: Art. 85 É vedado ao médico: Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade”.

Então, a regra é o sigilo das informações prestadas!

Todavia, há circunstâncias em que o Médico do Trabalho poderá quebrar o sigilo e estão previstos no CEM, nos dispositivos abaixo:

“Art. 12. É vedado ao médico: Deixar de esclarecer o trabalhador sobre as condições de trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o fato aos empregadores responsáveis. Parágrafo único. Se o fato persistir, é dever do médico comunicar o ocorrido às autoridades competentes e ao Conselho Regional de Medicina. Art. 76. É vedado ao médico: Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.”

Ora, a recusa imotivada à vacinação em ambiente laboral que possa oferecer risco ocupacional pelo agente biológico ao próprio empregado e/ou à coletividade de empregados/ comunidade deve ser consignada em termo de recusa e anexada ao prontuário médico. Neste sentido, poderá configurar exceção à regra geral do sigilo médico e poderá ser comunicado às autoridades competentes, devidamente fundamentado.

Terceiro aspecto deste debate envolve a pergunta do título deste artigo: Empresa pode bonificar funcionário que declara o estado vacinal da Covid-19 ao RH?

O “X” da questão envolve à possibilidade do empregado apresentar ao RH (e não mais o setor da saúde ocupacional no qual há a previsão legal), por iniciativa própria.

O princípio do direito à privacidade e a intimidade está previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal, que prega como “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.

“O direito à privacidade teria por objeto os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espelhem ao conhecimento público. O objeto do direito à intimidade seriam as conversações e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas.” (MENDES, apud COELHO, apud BRANCO, 2007, p. 367)

No campo do Direito do Trabalho, há situações pontuais que mitigam este direito à privacidade/intimidade, visando especialmente à proteção da propriedade e segurança. Todavia, o empregador deve manter a proporcionalidade e razoabilidade da medida instituída, assim como meios lícitos e não abusivos para atender a esta proteção.

No que se refere à quebra do sigilo (estado vacinal) por parte do funcionário ao RH, esta poderá ocorrer, desde que não ocorra vício de vontade do obreiro.

Vale dizer, esta quebra de sigilo se paute pela vontade livre e desimpedida de interesse ou ganho (secundário) por parte do obreiro, mediante estímulos de qualquer sorte do empregador, sejam estes de ordem financeira, direitos, comissionamentos, dentre outros. De ordem inversa, o empregado também não poderá sofrer sanções por não revelar ao RH tais informações, em respeito ao direito à privacidade/intimidade.

No âmbito do Direito e da Medicina do Trabalho existe o tradicional brocardo: “Informação para ação.”

Eis que devemos refletir as razões que o RH do empregador necessita dispor de tais dados (estado vacinal de seus obreiros). Seria para tomada de uma série de medidas de caráter administrativo, do tipo convocação pessoal e compulsória ao trabalho para a modalidade presencial daqueles que estão com o esquema vacinal completo ou mesmo rescisão contratual por justa causa daqueles que se negam completar o esquema vacinal?

No contexto atual, jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho e pareceres dos Ministérios Públicos e Procuradorias Gerais estaduais entendem que a recusa injustificada da vacina é considerada ato faltoso, passível de sanções disciplinares, abertura de processo administrativo (PAD, no serviço público) e até demissão, mas o desligamento só deve acontecer em última circunstância. A imunização pode ser exigida pelo empregador quando há doses de vacinas disponíveis na região. O STF já entendeu que a vacina é obrigatória (precedentes ARE 1264879 e ADI 6586).

O trabalhador não pode ser forçado a vacinar, mas ele pode arcar com algumas consequências da não-vacinação.

Enfim, vamos acompanhar mais amiúde estas circunstâncias pelo país…

Ah, estes grupos profissionais de WhatsApp…Sempre nos trazendo importantes reflexões!

Um forte abraço a todos!


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