Na literatura médica, o vírus foi identificado pela primeira vez em Uganda, na floresta de Zika, em 1947.
O Zikavírus um arbovírus do gênero flavivírus e é transmitido por mosquito (Aedes aegypti), que também causa a dengue, febre amarela, febre do Nilo e a encefalite japonesa.
O vírus provoca sintomas parecidos com os da dengue, contudo mais brandos: febre alta, dor de cabeça e no corpo, manchas avermelhadas, dores musculares e nas articulações. Também pode causar inflamações nos pés e nas mãos, conjuntivite e edemas nos membros inferiores. Os sintomas costumam durar entre 4 e 7 dias. Há outros sintomas menos frequentes, como vômitos, diarreia, dor abdominal e falta de apetite.
No final de 2013, houve um surto do zika na Polinésia Francesa, também no Pacífico. Mais de 10 mil casos foram diagnosticados. Desse total, cerca de 70 evoluíram para um estado grave. Esses pacientes desenvolveram complicações neurológicas, como meningoencefalite, e doenças autoimunes. A Organização Mundial da Saúde confirmou a relação entre o vírus zika e casos de microcefalia. No Brasil, houve mais de 1.248 casos notificados em 311 municípios em 14 Estados, em 2015. A região Nordeste é a região mais afetada pelo surto de microcefalia.
Na ocasião da epidemia brasileira, Ministério da Saúde informou que “estava em contato com as secretarias estaduais e municipais para articular uma resposta conjunta e, em especial, mobilizar ações contra o mosquito Aedes aegypti. Comitês de especialistas apoiarão o Ministério da Saúde nas análises epidemiológicas e laboratoriais, bem como no acompanhamento dos casos.”
No dia 13 de novembro de 2015, o diretor do departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch, recomendou que as mulheres não engravidassem. “Não engravidem agora. Esse é o conselho mais sóbrio que pode ser dado”, disse.
A saúde é um direito social indisponível, estampado em nossa Constituição.
A Constituição Federal de 1988 leciona:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde,(…).
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, (…), devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.” (Grifo nosso)
A “Organização Mundial de Saúde” (OMS) define a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”.
A convenção 161 da OIT, no qual o Brasil é signatário, que trata dos Serviços de Saúde do Trabalho, em seu art. 1, alínea “a”, leciona:
a expressão “serviços de saúde no trabalho” designa um serviço investido de funções essencialmente preventivas e encarregado de aconselhar o empregador, os trabalhadores e seus representantes na empresa em apreço sobre:
i) os requisitos necessários para estabelecer e manter um ambiente de trabalho seguro e salubre, de molde a favorecer uma saúde física e mental ótima em relação ao trabalho;
ii) a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta seu estado de sanidade física e mental;
Assim sendo e em termos práticos, o que o Médico do Trabalho deve realizar na condução destes casos?
Inicialmente, como no caso em tela estamos cuidando de trabalhadora gestante, devemos como Médicos do Trabalho atentar para o dever geral de cautela, respeitando os normativos da CLT e das NR’s.
Assim vejamos os art. 392, 394 e 396, CLT:
Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
4o É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos: (Redação dada pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)
II – dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares.
Art. 394-A. A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre.
Art. 396 – Para amamentar o próprio filho, até que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a 2 (dois) descansos especiais, de meia hora cada um.
Parágrafo único – Quando o exigir a saúde do filho, o período de 6 (seis) meses poderá ser dilatado, a critério da autoridade competente. (Grifo nosso)
Direito ao acompanhamento da gestação:
A gestante tem direito a dispensa no horário de trabalho para a realização de pelo menos seis consultas médicas e demais exames complementares durante o período, como o pré-natal. As consultas ao obstetra podem ser realizadas sempre que necessárias, bastando apresentar atestado médico como justificativa pela falta.
Licença e salário pós-parto:
A licença-maternidade de quatro meses e do salário-maternidade, que consiste no pagamento integral dos rendimentos à puérpera durante o período de licença. Os quatro meses contam a partir do afastamento da gestante.
Em 2008, o Governo Federal instituiu o programa Empresa Cidadã, que possibilita às empresas a ampliação da licença-maternidade por mais 60 dias (com pagamento integral de salários), em troca de incentivos fiscais, como dedução no imposto de renda.
Estabilidade no emprego e retorno pós-parto (consubstanciado no art. 10, II, “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88, o qual confere à empregada gestante a estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto):
É garantida a estabilidade durante a gestação e após, no mesmo cargo ocupado antes da gravidez, com igual salário, por cinco meses. Durante este período, a trabalhadora só pode ser demitida por justa causa. Idem para colaboradoras em período de experiência.
Ao retornar ao trabalho, a trabalhadora tem direito a dois descansos diários de 30 minutos para amamentação até o bebê completar seis meses de vida, sem permissão de desconto em horário de almoço ou no salário.
No período gestacional e pós-gestacional, a trabalhadora deverá ser alocada em função compatível à sua função/experiência e formação, em local salubre.
Atentar-se para as incompatibilidades gestacionais, nas diversas atividades ocupacionais que a trabalhadora labora, valendo destacar:
Excesso de Peso:
Art. 390 – CLT: “Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho continuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional.”
Radiações Ionizantes:
NR-32 (32.4.4): “Toda trabalhadora com gravidez confirmada deve ser afastada das atividades com radiações ionizantes, devendo ser remanejada para atividade compatível com seu nível de formação.”
Gases ou Vapores Anestésicos
NR-32 (32.3.9.3.4): “Toda trabalhadora gestante só será liberada para o trabalho em áreas com possibilidade de exposição a gases ou vapores anestésicos após autorização por escrito do médico responsável pelo PCMSO, considerando as informações contidas no PPRA.”
Quimioterápicos Antineoplásicos
NR-32 (32.3.9.4.6): “Com relação aos quimioterápicos antineoplásicos, compete ao empregador:
b) afastar das atividades as trabalhadoras gestantes e nutrizes;”(Grifo nosso)
A lei nº 13.301/16, art. 18, elenca alguns direitos sociais de trabalhadoras que deram à luz filhos com sequelas neurológicas por Zika vírus:
Art. 18. Fará jus ao benefício de prestação continuada temporário, a que se refere o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, pelo prazo máximo de três anos, na condição de pessoa com deficiência, a criança vítima de microcefalia em decorrência de sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.
2º O benefício será concedido após a cessação do gozo do salário-maternidade originado pelo nascimento da criança vítima de microcefalia.
3º A licença-maternidade prevista no art. 392 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, será de cento e oitenta dias no caso das mães de crianças acometidas por sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, assegurado, nesse período, o recebimento de salário-maternidade previsto no art. 71 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
4º O disposto no § 3º aplica-se, no que couber, à segurada especial, contribuinte individual, facultativa e trabalhadora avulsa. (Grifo nosso)
Sendo assim, a trabalhadora fará jus ao LOAS por até três anos, na condição de pessoa com deficiência. Por óbvio, este benefício poderá ser estendido, caso sejam atendidos os requisitos formais do INSS para concessão de benefício LOAS, na condição de PcD.
A trabalhadora fará jus a 180 dias de licença maternidade, adicionalmente.
Cabe o Médico do Trabalho orientar a gestante destes seus direitos, encaminhando-a, se possível, para um profissional com expertise em Direito Médico pleiteá-los junto à autarquia.
Uma vez que constatamos a total inércia do poder público na implementação de medidas públicas para controlar a transmissão da doença pelo seu vetor, o mosquito Aedes aegypti, e a epidemia de neonatos com microcefalia e demais má formações congênitas que gerarão sequelas irreversíveis a estas pessoas, cabe ao Estado o dever de indenizar?
No caso de trabalhadoras gestantes que contraíram o Zika Vírus, como representantes legais das crianças malformadas, fazem jus à reparação pecuniária face à inércia do Estado? É sensato pleitear danos materiais, morais, estéticos e existenciais junto ao Estado às mães que geraram filhos com microcefalia?
Muito provavelmente este assunto ainda não foi sequer debatido amplamente, portanto enfrentaremos a situação sob o enfoque constitucional e à luz do Direito Médico.
Primeiramente, discorreremos sobre o DANO MATERIAL. Dano material é aquele que atinge o patrimônio (material ou imaterial) da vítima, podendo ser mensurado financeiramente e indenizado. Compreende tanto o dano emergente sofrido pela vítima quanto o lucro cessante, entendido aquele como o que ela efetivamente perdeu e o outro como o que razoavelmente deixou de lucrar, nos termos do art. 402 do Código Civil de 2002:
Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
Ademais, deve o dano ser certo, sendo absolutamente necessária a comprovação do dano efetivamente suportado pela vítima, não se podendo trabalhar com simples hipóteses.
Uma criança com má formação congênita e sequelas neurológicas ainda imprevisíveis terá irremediavelmente déficits do crescimento e desenvolvimento e implicará consultas médicas especializadas (neuropediatra, por exemplo), exames complementares (imaginologia, laboratório clínico e anatomopatológico), uso de drogas para controle de quaisquer sintomas, internações hospitalares, dentre outros.
Em seguida, temos os DANOS MORAIS. Para o Professor Yussef Said Cahali, dano moral “é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)”
Decerto, é incontestável que a notória deformidade da cabeça do indivíduo (dentre outras possíveis) promovida por infecção viral por vetor (mosquito) passível de controle pelo Estado (que se abstém de seu dever) traz sentimentos de inconformismo, dor, tristeza.
Os DANOS ESTÉTICOS também são devidos ao Estado. Quando falamos em dano estético, estamos falando da ofensa à beleza externa de alguém, ou seja, da integração das formas físicas de alguém. Ele surge a partir de um sentimento de constrangimento ou de humilhação e desgosto que o lesado tem ao ver que não existe mais a harmonia de seus traços, e que no lugar destes existirá uma marca, mesmo que pequena, que lhe desperte a sensação de inferioridade. Má formações congênitas são danos indeléveis na imagem corporal de todas estas vítimas.
Finalmente, todas estas vítimas fazem jus aos DANOS EXISTENCIAIS. O dano existencial constitui espécie de dano imaterial que acarreta à vítima, de modo parcial ou total, a impossibilidade de executar, dar prosseguimento ou reconstruir o seu projeto de vida (na dimensão familiar, afetivo-sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional ou profissional, dentre outras).
Em outras palavras, o dano existencial se alicerça em 2 (dois) eixos:
1- De um lado, na ofensa ao projeto de vida, por intermédio do qual o indivíduo se volta à própria autorrealização integral, ao direcionar sua liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto espaço-temporal em que se insere, às metas, objetivos e ideias que dão sentido à sua existência.
Por dano existencial compreende-se toda lesão que compromete a liberdade de escolha e frustra o projeto de vida que a pessoa elaborou para sua realização como ser humano. Diz-se existencial exatamente porque o impacto gerado pelo dano provoca um vazio existencial na pessoa que perda a fonte de gratificação vital.
Por projeto de vida entenda-se o destino escolhido pela pessoa, o que decidiu fazer com a sua vida. O ser humano, por natureza, busca sempre extrair o máximo das suas potencialidades. Por isso, as pessoas permanentemente projetam o futuro e realizam escolhas no sentido de conduzir sua existência à realização do projeto de vida. O fato injusto que frustra esse destino (impede a sua plena realização) e obriga a pessoa a resignar-se com o seu futuro é chamado de dano existencial.
O dano ao projeto de vida refere-se às alterações de caráter não pecuniário nas condições de existência, no curso normal da vida da vítima e de sua família. Representa o reconhecimento de que as violações de direitos humanos muitas vezes impedem a vítima de desenvolver suas aspirações e vocações, provocando uma série de frustrações dificilmente superadas com o decorrer do tempo. O dano ao projeto de vida atinge as expectativas de desenvolvimento pessoal, profissional e familiar da vítima, incidindo sobre suas liberdade de escolher o seu próprio destino.
Constitui, portanto, uma ameaça ao sentido que a pessoa atribui à existência, ao sentido espiritual da vida.
2- E, de outra banda, no prejuízo à vida de relação, a qual diz respeito ao conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos, que permite ao ser humano estabelecer a sua história vivencial e se desenvolver de forma ampla e saudável, ao comungar com seus pares a experiência humana, compartilhando pensamentos, sentimentos, emoções, hábitos, reflexões, aspirações, atividades e afinidades, e crescendo, por meio do contato contínuo (processo de diálogo e de dialética) em torno da diversidade de ideologias, opiniões, mentalidades, comportamentos, culturas e valores ínsita à humanidade.
O dano existencial representa, em medida mais ou menos relevante, uma alteração substancial nas relações familiares, sociais, culturais, afetivas, etc. Abrange todo acontecimento que incide, negativamente, sobre o complexo de afazeres da pessoa, sendo suscetível de repercutir-se, de maneira consistente — temporária ou permanentemente — sobre a sua existência.
Desta forma, a inobservância do Estado atuar na Saúde Pública de forma tempestiva e eficaz deverá trazer irremediavelmente uma legião de indivíduos que não desenvolverão totalmente suas potencialidades. Estas pessoas deverão ser assistidas e a elas caberão indenizações reparatórias.
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